A LENDA DE S. GONÇALO MARINHO
Houve antigamente no termo de Montalegre. deste arcebispado primaz, um mosteiro de Cister, chamado de Santa Maria de Júnias, sujeito ao de Ossera, no bispado de Orense.
Extinguiu-se no ano de 1608, e foi depois igreja paroquial, sujeita ao ordinário de Braga.
Deste mosteiro foi abade D. fr. Álvaro, que depois de administrar o governo alguns anos, o demitiu de si, renunciando-o nas mãos do papa Alexandre VI, a favor do nosso fr. Gonçalo, seu parente em próximo grau.
Tomou (D. Gonçalo Marinho ou D. Gonçalo Coelho(?)) posse daquela abadia aos 5 de fevereiro de 1499; sendo arcebispo primaz, D. Jorge da Costa, a quem veio logo dar obediência, por estar no limite da diocese bracarense.
Tinha o abade de Júnias, duas anexas, uma no reino de Galiza, a que chamavam Santa Maria de Cela, e outra neste arcebispado, a que chamavam S. Rosendo, às quais ia muitas vezes pregar e cumprir com as obrigações que lhe incumbiam, como prelado. Retirando-se de Cela, onde se tinha ido entreter em tão santos e caritativos empregos, e dizendo missa no caminho, em um domingo, véspera da Purificação de Nossa Senhora, nela Ihe foi revelada a sua morte, como deu a entender aos assistentes, que foi desta sorte.
Como na noite antecedente tivesse nevado em tanta quantidade, que estava a neve de altura de dois metros, principalmente na eminência de um monte, no sítio a que chamavam Fonte Fria, chegou a ele tão debilitado, que não podendo resistir entregou a alma ao Criador, que querendo dar a conhecer ao mundo a santidade do seu servo, mandou repicar os sinos de Júnias e Cela, por invisíveis mãos.
Vendo os monges prodígio tão inaudito, se persuadiram que alguma desgraça havia sucedido ao seu abade, por ocasião das neves.
Ajuntaram quantidade de homens do lugar de Pitões, para que abrindo-lhes caminho, pelas neves, pudessem procurar o santo abade, a quem enfim acharam, entre as neves, com o corpo exânime, de joelhos, e com os olhos e mãos levantadas ao céu, como achara Santo Antão, abade, a S. Paulo, primeiro ermita da Tebaida.
Confusos e admirados ficaram os monges com tão singular prodígio, e louvando todos o Altíssimo, porque permitiu tivesse aquele seu servo semelhante morte, levaram o santo cadáver para o mosteiro de Júnias, onde não cessaram os sinos de tocar, senão depois de o terem dado á sepultura, no 1º de fevereiro de 1501.
A cabeça de S. Gonçalo, que existiu, como já disse, na igreja de Pitões, e que desapareceu com um incêndio, não deixou por isso de continuar a merecer a devoção popular, e a festa do Casco de S. Gonçalo, se continuou a fazer em Júnias e em Osera, a 2 de outubro de cada ano.
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S. Gonçalo, abade de Santo Tirso e de Júnias, monge beneditino.
Nasceu na vila de Chaves.
Chamou-se no século, Gonçalo Marinho.
Estudou as sagradas letras, por ordem de seus pais, e sendo de tenra idade, e movido por interior vocação, vestiu a cogula beneditina, no mosteiro de Santo Tirso de Riba de Ave, bispado do Porto (e não no de Ossera, da ordem cisterciense, como dizem alguns autores).
Como o nosso Santo procurou, e tomou o hábito religioso, persuadido que era o estado mais perfeito para servir a Deus e imitar a vida de Cristo, e não com o fim de se livrar dos trabalhos do mundo, e de ter certo o sustento, como muitos fazem, cumpriu as suas obrigações com tanta perfeição e exemplo, que de poucos anos, foi eleito canonicamente abade do dito mosteiro, dignidade que se dava não aos que tinham mais que dar, nem aos que tinham mais empenhos (como agora se pratica), mas aos que possuíam mais talento, e a prudência e virtudes, que devem ter os que hão-de governar súbditos; e como todas estas prerrogativas se achavam singularmente unidas no nosso santo abade, o seu governo foi em tudo perfeito.
Excertos da obra “Portugal Antigo e Moderno”, de Cunha Leal (1876, vol.7, pág. 105)